quarta-feira, janeiro 23, 2013

Antologias on line -CBJE






 

 Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas / RS




Os avós, os netos e a interação de gerações



Os avós de décadas atrás eram diferentes dos avós da atualidade. Se pensarmos no tipo físico, logo nos reportaremos a um pacato idoso de pijamas, chinelos, lendo um jornal, vivendo ao redor do lar. Ela, a avó, lembraremos de alguém de cabelos brancos, óculos, um coque no alto da cabeça e um avental, indispensável para quem se delicia em fazer bolos durante um período do dia para satisfazer a família e, principalmente, os netos. Essas imagens são características de uma época em que o principal afazer da mulher era ser esposa, mãe, dona de casa, avó.
Em décadas mais recentes, as últimas do século vinte, encontramos uma mulher diferente, atuante no mercado de trabalho, profissional de diferentes papéis, dividida entre família- esposo, filhos e a profissão. Passa a contar com a babá para auxiliar na criação dos filhos. Sorte daquela que tem uma família por perto e pais –avós- com disponibilidade de tempo e propósito de ajudar.
Nestas décadas o perfil das avós já é diferente daquele de décadas anteriores. Já teremos avós aposentadas que encerraram um ciclo profissional e dispostas a recuperar com seus netos o tempo que não dedicaram a seus próprios filhos em função do trabalho. Passam a vivenciar outra fase, levando e buscando os netos na escola e nas outras atividades extraclasse. É uma forma de manterem-se ativos, úteis, amados e não se permitindo depressão ou desânimo em função da retirada do mercado de trabalho.
Encontram um novo sentido para a vida.
O mundo não pára. A evolução tecnológica foi muito grande nas últimas décadas. A modernidade é líquida, fungível, quase descartável. Os costumes são atingidos por essas transformações. As pessoas agem, vivem e almejam diferente. O viver é rápido, cada um querendo vivenciar diferentes épocas em uma só, antecipar fases, vivências, recuperar o tempo perdido. Concomitante a isso, o progresso nas diferentes áreas permite as pessoas viverem mais. Podem até viver mais ansiosos, mas a longevidade é uma realidade,
Assim, os avós de hoje, tem um perfil diferente e ao olhar, muitos deles parecem muito mais jovens. São mais jovens no espírito e na imagem.
Os avós frequentam academia, tem uma vida socialmente ativa, buscam novos aprendizados, aprendem a lidar com a tecnologia. Foram se adaptando aos poucos, utilizando as modernas tecnologias suavemente, sem maiores impactos e hoje estão perfeitamente adaptados a um novo modo de viver, a uma nova linguagem.
O que ao longo da história começou com o telefone, o rádio, a televisão, a princípio em preto e branco, depois em cores, prosseguiu com o microondas, o telefone celular, o computador, o cartão magnético para retirar os proventos no banco, e as outras tantas modernidades.
As crianças de hoje nascem e crescem dentro da era digital. Dominam tecnologias de uma forma surpreendente, sem medo, sem dificuldade, pois são nativos digitais. Lidam com aquilo que apresentavam dificuldade para os mais velhos, pois não cresceram em meio às modernidades. Ao contrário, não existiam e quando apareceram eram caras e eles tinham medo de estragar , por isso a relutância em manusear.
Hoje, as crianças utilizam celular desde a mais tenra idade, assistem televisão em 3 D, utilizam computadores nas mais diferentes modalidades (desktop, notebook, netbook, tablet, I.Pod, I pad) desde casa até na escola.
Na convivência diária entre esses avós imigrantes digitais e os netos, nativos digitais, passa a ocorrer uma surpreendente aprendizagem, fácil lúdica onde os netos ensinam os avós que passam a incorporar em seu dia a dia hábitos e linguagens novas.
Através desta troca, as relações entre eles fluem de uma forma natural, valorizando os papéis de cada um, e em meio ao aprendizado prazeroso os netos compreendem a realidade diferente vivenciada pelos avós, e estes derrubam mitos com relação às dificuldades da era digital e, sobretudo, quebrando paradigmas provando que sempre é tempo de aprender, que o aprendizado não tem idade, e aqueles que são capazes de ter humildade e se abrir para este aprendizado com criança ou com adolescentes são, além de inteligentes, mais felizes, pois se abrem para um mundo novo do qual não haverá retrocesso e quem não aprender estará à margem do conhecimento oferecido por estas novas tecnologias que forma uma teia envolvendo a escola, as famílias, a sociedade como um todo.
Mais do que nunca se forma uma saudável troca entre as gerações, com amor e respeito pelas partes envolvidas.

http://brletras-cbje.blogspot.com.br/2013/01/conto-publicado-no-livro-pecado.html

Conto publicado no livro "Pecado... em 6 mil toques"
Edição Especial 2012 - CBJE - BrLetras

Isabel Cristina Silva Vargas


 

Dúvida



Linda conhecera Olavo aos treze anos. Ele tinha vinte e um. Homem alto, forte, origem européia. Pessoa de gênio forte,disciplinado, exigente.
Ela era a mais velha de quatro irmãs, talvez por isso aparentasse mais idade, pela responsabilidade de ajudar a mãe a cuidar das menores.
Naquela época, o namoro era um compromisso sério e tinha que ter o aval dos pais. Existiam regras rígidas para namorar. Só em finais de semana, hora marcada, família na volta. Deixar a menina sozinha com o pretendente era fora de cogitação.
Como ele já tinha emprego, era mais velho, demonstrava responsabilidade, não demorou muito para casarem. Cumpriram os rituais de praxe, isto é, pedido de casamento, noivado. Ela com 16 anos.
Ao homem cabia sempre a última palavra, além, é claro, de ditar todas as normas da casa, como se fosse o comandante de um quartel.
A despeito da rigidez dele, da falta de demonstração pública de afeto, procurava proporcionar conforto e diversão para a família..
Na realidade, para ser imparcial, ela, a esposa demonstrava temor frente a ele e por isso zelava para o fiel cumprimento dos desejos dele. Tinha medo dele se aborrecer. Quando isso acontecia ele se tornava grosseiro na frente de qualquer pessoa. Sequer pensava em questionar as ordens. Tornou-se um fiel capataz do lar, ou ajudante de ordens, se um quartel fosse. Hora de levantar, de almoçar, estudar, tomar banho, deitar eram cumpridas à risca para aborrecimento dos filhos. Barulho em hora de ele dormir a sesta era sacrilégio. Isso se ela fosse católica. Como não era, tornou-se regra a ser cumprida sem questionamento. Regras que serviam para reafirmar a autoridade de alguém que tinha um papel árduo para desempenhar, considerando a educação que recebera dos pais, vindos de uma região da Europa, castigados pelas agruras passadas.
O amor não aparecia. Ficava sufocado pela autoridade.
Por muito tempo a vida familiar seguiu assim. Ela zelando pelo cumprimento do ordenamento ditado por ele, referentes a casa, os filhos, ao cachorro e aos desejos dele próprio. E do que ela denominava deveres conjugais.
Como ela fora alfabetizada pela mãe, não estudara em escola regular, trabalhar fora não era cogitado por nenhum dos dois, mas em um período de maiores dificuldades ela começou a trabalhar em casa, cortando cabelo de mulheres. Ainda economizava cortando o cabelo do marido e dos filhos. Aprendera o ofício com uma amiga que morava próximo.
A vida seguia em um ritmo cadenciado, sem imprevistos, desvios ou contra-ordens até que ele de dispôs, gentilmente, abnegadamente a ensinar a prima de Linda a dirigir. Uma jovem bonita, solteira, alegre, bem educada, professora e que queria dirigir para ter seu próprio carro.
No início ela até saía junto. Mas com o tempo as aulas passaram a ser mais frequentes. E ela não podia deixar as clientes, a lida da casa, o cuidado com os meninos que já estavam ficando mocinhos.
Então, os dois, Olavo e a prima Vanda passaram a sair sozinhos para as aulas.
Intermináveis aulas. Até que o vulcão que vivia apagado, ou contido pelas regras emanadas do ditador e que ela com o tempo, sem se dar conta, assumira como suas também, em nome da convivência aparentemente harmoniosa, explodiu. E, de uma forma tão intensa que não houve palavra dele que a convencesse de sua inocência e, sobretudo, da inocência da prima a quem considerava uma irmã.
Aí foi a vez de ele calar-se.
As ordens partiam dela. A prima, ela nunca mais visitou, nem permitiu a entrada dela na sua casa. Comunicou às irmãs que teriam que escolher: ou ela, ou a prima. Não haveria lugar para as duas na convivência familiar.
Linda e Vanda jamais se falaram.
Em casa, o assunto morreu ali.

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