Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas / RS
Matrimônio compartilhado
Sueli acabara de se separar. Tudo era novo para ela. Só as dificuldades que não. Essas já eram sua antiga conhecida. Sétima filha de uma dúzia. Criada na campanha. Pai alcoólatra, mãe submissa. Todas as agruras imagináveis passou. Desde fome, os castigos sem motivo, até o espancamento da mãe. Esta morreu antes dos cinqüenta anos com aparência de setenta.
Nesta ocasião os filhos foram doados para quem desejasse. Todos separados. Sueli teve sorte de ficar com uma família de relativas posses. Ele comerciante, com esposa e uma filha. A princípio foi aceita para trabalhar de doméstica. Recebia salário, casa e comida e mais do que isso foi contemplada com a amizade da patroa, pessoa de boa índole, justa e generosa.
Com o tempo trabalhou na loja também. Posteriormente, foi fazer um curso de cabeleireira, maquiagem, manicure, essas coisas relativas à beleza feminina com vistas a ter uma profissão.
Foi neste período que conheceu Reginaldo. Ele, também comerciário. Família boa, unida. Sueli achou que estava sendo abençoada. Teria uma família só dela. Casaram-se. Seu sonho de ter filhos desmoronou nos primeiros anos. Não poderia. A decepção não demorou muito. Mudaram os planos e adotaram uma criança que foi amada por todos.
O menino já contava uns dez anos quando ela decidiu separar-se. A princípio, ninguém entendeu. Possuía uma boa casa, profissão, conforto. Mas, não se sentia amada. Também não amava como imaginava. Na realidade o casamento fora uma tábua de salvação para um náufrago de afeto, de bens materiais desde a mais tenra idade.
Apesar das tristes lembranças da infância, conseguia ser uma boa mãe. Não reproduzia condutas vivenciadas. Buscava seu próprio caminho.
Após se ajeitar nas peças que alugara, retomou sua vida. Cuidava do filho e trabalhava.
Certo final de semana foi dançar em companhia de uma colega de trabalho.
Não imaginava, nem fazia planos de encontrar um amor. Só queria se distrair.
Conheceu Fernando. Mais velho que ela, bem arrumado, bom de papo.
Sueli não deu muita importância ao fato, pois não acreditou que ele fosse procurá-la.
Parecia bem situado na vida. Emprego fixo, bom carro. O que muito lhe chamou a atenção era o modo de tratá-la. Muito gentil. Por isso, quando ele telefonou ficou feliz.
Sem demonstrações esfuziantes, mas uma alegria contida.
A partir daí passaram a encontrar-se regularmente. Ele conheceu seu filho. Ambos se aceitaram amigavelmente. Ele a ajudava, prometia assumi-la, só pedindo um tempo para se organizar.
Como nada tinha a perder aceitou. Mais de um ano após, ele disse que estava tudo pronto para assumirem o compromisso publicamente. Comprou uma aliança de ouro que ofereceu a ela e levou-a para conhecer o local onde ela iria morar com o filho.
Ao chegar ao local nem acreditou. Iria sair de suas duas mirradas pecinhas para morar em um lindo sobrado por ele mandado construir, em uma rua bem isolada, no bairro em que ela morava e trabalhava.
Ela fez a mudança pronta para viver seu conto de fadas moderno.
Foi aí que as regras ficaram estipuladas para o bem viver de ambos.
A casa era para ela e o filho morarem, ele continuaria morando com a esposa e viria visitá-la.
Quem a vê hoje, não diz que ela se aproxima dos cinqüenta anos. Bem cuidada, corpo de menina, continua com o filho e trabalhando na profissão.
Sobre ele, Sueli sabe que já teve dois casamentos, com filhos adultos, formados, netos. Ela sabe que é a terceira, a quem ele continua visitando regularmente, pois ainda mora com a esposa. Só não descobriu se é a última.