terça-feira, novembro 04, 2008

RESENHA



A LINGÜÍSTICA APLICADA NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO
B. Kumaravadivelu

O título supra citado é o capítulo cinco do livro Por uma lingüística aplicada Indisciplinar de Fabrício, B ET AL., Luiz Paulo da Moita Lopes (Org.) É uma versão traduzida por Moita Lopes de uma palestra de Kumaravadivelu no VII Congresso da Associação de Lingüística aplicada do Brasil
O autor examina a direcionalidade e a disciplinaridade da LA enfocando os três importantes discursos que dominam a produção de conhecimento nas humanidades e ciências sociais hoje, quais sejam, a globalização, pós-colonialismo e pós modernismo, embora haja muito pouca discussão sistemática sobre a relação das referidas áreas citada e a disciplina LA. Acredita haver necessidade de uma reestruturação fundamental dos aspectos principais da LA.

O CONCEITO DE GLOBALIZAÇÃO


O conceito de globalização difere de acordo com os autores e as diferentes épocas.
Época atual: Steger (2003:13) define globalização como uma série multidimensional de processos sociais que criam , multiplicam, alargam e intensificam interdependências e trocas sociais no nível mundial, ao passo que, ao mesmo tempo, desenvolve nas pessoas uma consciência crescente das conexões profundas entre o local e o distante. Ele associa a globalização a 12.000 anos de história humana.
Robbie Robertson (2003) identifica “três ondas” de globalização que podem ser associadas com três fases do colonialismo/imperialismo moderno. A primeira refere-se às explorações comerciais lideradas por Espanha e Portugal; a segunda ao período de industrialização liderada pela Grã-Bretanha, a terceira originou-se no mundo pós-guerra, com a liderança dos Estados Unidos. Mignolo (1998:36)também faz referência a estes três estágios de globalização.

A FASE ATUAL DA GLOBALIZAÇÃO

Difere dos períodos anteriores em intensidade, mas não em intenção.
A fase atual de globalização está mudando a paisagem mundial de três modos:
A distância espacial está diminuindo;
A distância temporal está diminuindo;
As fronteiras estão desaparecendo.
Isto segundo o United Nations Report on Human Development (1999:29).


O traço mais forte e distintivo da atual fase é a comunicação eletrônica, ou seja, a internet, cuja velocidade e alcance são inigualáveis.
Jameson (1998:55) chama a globalização de “um conceito comunicacional, que alternativamente mascara e transmite significados culturais e econômicos”.

GLOBALIZAÇÃO CULTURAL
O impacto da globalização nos aspectos socioculturais de muitas pessoas é imenso. Oportunizou debates entre estudiosos de várias disciplinas, o que ensejou o surgimento de três escolas de pensamento que se sobrepõem.
A primeira representada por Barber (1996), Ritzer e outros acreditam estar ocorrendo algum tipo de homogeneização cultural e que nela a cultura norte-americana é dominante.
Equação: globalização= ocidentalização= norte-americanização=mcdonaldização termo este criado por Ritzer (1993)
Os jovens evidenciam esta homogeneização no uso de calças Levis, e tênis Nike, bonés de baseball do Texaco, moletons do Chicago Bull, etc.
Em 2000 “somente 10 conglomerados midiáticos são donos de mais de dois terços da renda anual mundial de 250-275 bilhões de dólares, gerada pela indústria da comunicação”. (Steger, 2003:76)
Ressalte-se que na maioria dos casos o meio das comunicações globais é o inglês.

A segunda escola de pensamento é representada pelo sociólogo Giddens, o crítico cultural Tomlinson e outros. A creditam que certo tipo de heterogeneização cultural está ocorrendo, na qual a cultura local e as identidades religiosas estão sendo fortalecidas, principalmente como resposta à ameaça representada pela globalização.Sugere, de forma polêmica, que o reverso da colonização está ocorrendo. (países não ocidentais influenciam o desenvolvimento no ocidente.)
A globalização contribuiu para a contração do espaço, tempo e fronteira, não para a expansão da harmonia comum ou valores compartilhados entre as pessoas do mundo. É o que Tomlinson denomina de “proximidade imposta” ou forças do fundamentalismo que Giddens chama de “filho da globalização”.
O desenvolvimento cultural global é decorrente das práticas e das instituições sociais ocidentais.
A terceira escola de pensamento é representada pelo crítico Arjurn Appadurai, por Roland Robertson e outros que diz “o problema central da interação global de hoje é a tensão entre homogeneização cultural e heterogeneização cultural”. Ambas estão acontecendo ao mesmo tempo. O global está localizado e o localizado está globalizado.As culturas modelam e re-modelam umas às outras direta ou indiretamente.
Vai além da dicotomia centro-periferia.
Os produtos são modelados para se adequar às exigências religiosas,culturais, étnicas.(micromercantilização).
Ex: McDonalds servindo comida em Israel seguindo as leis do judaísmo.Enfatizam “o processo , em dois níveis, da particularização do universal e da universalização do particular” (Roland Robertson,1992:177-178)
Tais autores falam da necessidade de os educadores buscarem todas as alternativas possíveis para preparar as disciplinas acadêmicas, assim como dos alunos , a, enfrentarem o mundo globalizado.
Aqueles que preparam a LA têm uma responsabilidade especial porque, em grande parte, lidam com uma língua que têm tanto características globais como coloniais. O inglês alcançou tal papel. Há grandes interesses na indústria do ensino de inglês.

Os lingüistas aplicados estão conscientes do papel desenvolvido pelo colonialismo na manutenção do domínio do ocidente na produção e disseminação do conhecimento.
Torna-se necessária a transformação disciplinar que envolva uma reestruturação fundamental dos princípios da LA., transformando-se de derivante para autônoma,do moderno para o pós-moderno e do colonial para o pós colonial, conforme o autor passa a analisar a seguir.



TRANSFORMAÇÃO DE DERIVANTE PARA AUTÔNOMA

Uma definição estreita de LA remonta a Corder (1973:10-11), que diz que a LA é “a aplicação de conhecimento lingüístico a algum objeto”... Não é um estudo teórico. Faz uso de descobertas de estudos teóricos.
Definições mais recentes: Brumfit(1995:27) LA é “a investigação teórica e empírica de problemas reais nos quais a linguagem é uma questão central”.
Outras definições também são dadas e apesar de toda ênfase nos problemas o “mundo real” e “nos problemas cotidianos” relacionados com a linguagem, a LA como campo é informada quase que exclusivamente por questões de base lingüística, referentes à política e ao planejamento da língua inglesa, ao ensino e à aprendizagem de inglês como segunda ou língua estrangeira.
Alguns expoentes da LA têm arrogado a si mesmos o papel de guardas do campo, decidindo muito arbitrariamente, que tópico é atual e qual está fora de modo.
Em seus compêndios excluem a pedagogia crítica e o campo dos ingleses mundiais que realizam conferências internacionais anuais num incansável empenho de desconstrução de questões sociais, econômicas, culturais e ideológicas derivadas da expansão do inglês como língua global.
Embora os fortes argumentos persuasivos para apresentar um modo de LA que “procura conecta-la a questões de gênero, classe social, sexualidade, raça, etnia, cultura, identidade, política, ideologia e discurso” (Pennycook, 2001:10), o campo continua a ignorar a proposição fundamental de que a investigação em LA deve ser intercultural, interlingüística e interdisciplinar.


TRANSFORMAÇÃO DO MODERNO PARA O PÓS MODERNO

O tipo de LA associado ao modernismo trata a linguagem primariamente como um sistema e opera segundo um paradigma de pesquisa positivista e prescritivo.
Evita a questão de ideologia lingüística.
A filosofia pós modernista celebra a diferença, desafia hegemonias e busca formas alternativas de expressão e interpretação. Procura desconstruir os discursos dominantes, tanto quanto os contradiscursos, ao fazer indagações nos limites da ideologia, do poder, do conhecimento, da classe, da raça e do gênero. O lingüistas têm que tratar a lingüística como discurso no sentido foucaultiano.,isto é, como território conceitual inteiro no qual o conhecimento é produzido e reproduzido. Inclui o que é pensado, articulado, mas também determina o que pode ser dito ou ouvido, e o que é silenciado, o que é aceitável e o que é tabu. É produzido por meio das práticas sociais, instituições e ações.O texto tem seu significado por ser gerado pelas formações discursivas, cada qual com suas ideologias particulares e modos particulares de controlar o poder. Nenhum texto é inocente e todo texto reflete um fragmento do mundo em que vivemos. Os textos são políticos porque todas as formações discursivas são políticas.
Pierre Bordieu(1991) descreve o poder simbólico “como um poder de construir os enunciados dados, de fazer as pessoas verem e acreditarem, de confirmar ou transformar a visão de mundo, ação sobre o mundo e , desse modo, o próprio mundo”.
Kroskrity fala em ideologias lingüísticas como um grupo de conceitos consistente de quatro dimensões convergentes que conduzem a uma consciência crítica de como o uso da linguagem é moldado por forças institucionais, processos históricos e agendas políticas dominantes e de como a linguagem pode funcionar como transportador e tradutor de ideologia que sirva a interesses claros.

TRANSFORMAÇÃO DE COLONIAL PARA PÓS-COLONIAL

A colonialidade da Língua Inglesa tem quatro dimensões interligadas, a acadêmica,lingüística,cultural e econômica.
A pesquisadora Linda Tuhiwai (1999:5) afirma que “ a pesquisa não é um exercício acadêmico inocente ou distante; é uma atividade que tem interesses em jogo e que ocorre dentro de uma série de condições políticas e sociais” e argumenta que”a maioria das disciplinas tradicionais baseia-se em visões culturais do mundo que são antagônicas a outros sistemas de crenças ou não têm metodologia para lidar com outros sistemas de conhecimento”(Smith:1999:65).
Finaliza o autor dizendo que a lingüística deve buscar significado.




CONSIDERAÇÕES

Escolhemos o capítulo cinco por nos parecer aquele que enfoca de forma muito clara as implicações da globalização na atualidade e a trajetória que a lingüística aplicada deverá empreender para refletir todas as modificações ocorridas.
Vivemos em uma época na qual os saberes não são isolados ou estanques. O avanço tecnológico permitiu a abertura de campos de conhecimento nunca dantes imaginado. Tornou visível conquistas e/ou avanços em áreas que permitem melhores condições de saúde e qualidade de vida ao homem, mas ao mesmo tempo que traz inúmeras vantagens, torna-se igualmente excludente visto que existe um grande contingente humano à margem deste avanço tecnológico, do conhecimento digital, do acesso a outros bens dele decorrentes. Este avanço também permite que uma nova escola surja, modificando os modos de aprendizagem, permitindo que o professor seja um facilitador e o aluno alguém que deixa de ser um mero receptor para ser sujeito ativo no processo ensino/aprendizagem.
A lingüística aplicada não pode passar ao largo desses novos modos de viver, fazer/produzir conhecimento. Não pode ter um discurso dissociado da realidade, à margem da sociedade sob pena de esvaziar-se em conteúdo e finalidade. Não pode ir na contramão da história, tem que evoluir e conectar-se de maneira que ocorra uma teia de interação entre a LA e outras disciplinas como a sociologia, a filosofia, a ética, a moral e deste modo produzir inclusão social, posto que como cita o autor as distâncias social e temporal estão diminuindo e as fronteiras estão desaparecendo.
O advento da instantaneidade conduz a cultura e a ética humanas a um território não mapeado e inexplorado, onde a maioria dos hábitos aprendidos para lidar com os afazeres da vida perdeu sua utilidade e sentido. BAUMAN, Z. Modernidade Líquida,2001.
Isto nos induz a pensar que a L.A também deve explorar estes territórios não mapeados para conseguir refletir e representá-los, permitindo sua visibilidade ,seu entendimento, comunicação e interação com os novos modos de vida através de novas investigações, novas experiências, que resultarão em novos significados.

Nigel Trift observou a “notável mudança de vocabulário e do quadro cognitivo”
que marcaram a nova elite global e exterritorial. Para referir-se a suas próprias ações usam metáforas como “dançar” e “surfar”; não falam mais de “engenharia”, mas de culturas e redes, equipes e coalizões, nem de controle, liderança e gerência, mas de influências. (Bauman:2001:177). Isto reflete o mundo circundante , não meras invenções.
A L.A não pode permanecer sem entender e refletir este mundo tido como multifacetado , complexo, rápido líquido, urgente e por isto mesmo um tanto confuso. Logo a LA tem que procurar entender e espelhar estes novos significados.

A Lingüística Aplicada, enquanto estudo de um segundo idioma, do inglês dominante, não pode deixar de se adequar, entender, mostrar a realidade dos campos de dominação ao qual o inglês tem servido. Aí vale ressaltar as quatro dimensões convergentes de KrosKrity em relação às ideologias lingüísticas que ajudam a reconfigurar as relações entre o centro marginalizador e as periferias marginalizada.
O autor fala da necessidade de a LA experimentar outras possibilidades e interpretar novos significados, necessitando por isto, submeter-se a uma transformação disciplinar não como contraposição à Lingüística estrutural, mas como forma de resposta às realidades globais emergentes.
É necessário que a LA ou os estudiosos não assumam papéis de policiais, excluindo áreas sobre as quais não tenham um amplo conhecimento ou com as quais não concordem, ao contrário possam trazer a público a ideologia, o poder, o gênero, a classe e a raça, tratando a linguagem como discurso.
Ressalte-se ainda que uma LA nestes moldes terá, acima de tudo, um papel inclusivo e comprometido com os direitos humanos, primordial para diminuir a distância entre os extremos da pirâmide social, contribuindo, então, para a promoção e valorização das minorias, dos que sofrem discriminação por não se enquadrarem no estereótipo hegemônico imposto pelo império midiático.
Publicado no site:http://www.outrossignos.blogspot.com/
Data:2008.10.12
Publicado no site:http://www.escrita.com.br/
Data:2008.11.04