DESTINOS
Kika sempre foi uma pessoa curiosa. Quem a vê não imagina a sua maneira de pensar, nem suas convicções das quais não se afasta por nada.
A aparência é avançada. Fora dos padrões normais. Nos conceitos de família, vida pessoal é mais regrada. Apesar de não ter religião respeita a crença dos pais e não deseja criar maiores conflitos além das desavenças habituais pela sua aparência física, para eles muito ousada. Decidiu, então, morar sozinha. Sua situação financeira é estável. A banda já lhe rendeu algum dinheiro que guardou para realizar o sonho de comprar um apartamento. Assim poderá receber os amigos sem problemas. Seu pai não os tolera. Não pela aparência um tanto exótica, mas pelo fato de , eventualmente, utilizarem maconha. Fazem isto em qualquer lugar. Kika é contrária a este hábito. Não faz uso disto. Nunca. Não conseguiu dissuadi-los de utilizarem.
Foi uma terça-feira que foi ao encontro do corretor com quem tratou por telefone ao ligar para uma imobiliária para se informar de um imóvel que vira em anúncio no jornal. Edmilson era seu nome. Combinaram encontrar-se na imobiliária e de lá seguirem juntos para ver o apartamento.
Lá chegando foi direto na recepcionista a quem informou que desejava encontrar o corretor Edmilson.
Ele, que vinha entrando na recepção, mal olhou no rosto de Kika. A aparência “gótica” da moça não o levou a imaginar que aquela era a cliente. A voz suave não condizia com a aparência.
A recepcionista informou que a moça desejava falar-lhe.
Edmilson, sem olhar para ela informou que não poderia atender ninguém, pois estava ocupado. Sem dar atenção à cliente entrou na sua sala.
Kika já estava acostumada a ser alvo de discriminação em virtude da aparência nada convencional. Pediu licença e foi entrando escritório à dentro sem bater. Soltou de um fôlego só uma enxurrada de palavras.
_ Olha aqui seu tratante. Não me desloquei de ônibus, sem café para cumprir o compromisso agendado e chegar aqui na hora marcada, para encontrar um corretor irresponsável, bobalhão que nem na minha cara olhou e que por certo deve achar que não tenho condição de comprar nenhum apartamento. Agora quem não quer sou eu. Vou procurar outro corretor. Deve haver profissional mais educado e competente.
Virou-se e saiu com o mesmo ímpeto que entrou na sala, sem dar tempo para que ele esboçasse qualquer reação.
Passaram-se dois dias.
Edmilson achou que deveria ligar para Kika e desfazer o mal entendido. Não tivera a intenção de agir de forma preconceituosa. Afinal, ele próprio não era nenhum “Gianechinni da Globo” e sabia o que era não se enquadrar no estereótipo de beleza. O mercado de trabalho se abre para jovens, belos, altos, sarados, bem falantes e que vendem uma bela imagem. Aos demais resta um corpo a corpo diário para comprovar competência, embora esta nada tenha a ver com aparência física.
Mesmo sem intenção pisou na bola, como se diz na linguagem de futebol.
A moça não parecia muito convencida, mas aceitou as desculpas e marcaram uma nova data para examinarem o apartamento. Desta vez se encontrariam na porta do edifício. Ele já estaria à sua espera.
Assim foi feito.
Fazia questão de olhá-la bem nos olhos ao lhe falar assim tentaria desfazer a primeira impressão.
Saudou-a com um sorriso estampado no rosto.
Ainda desconfiada, Kika respondeu ao cumprimento com um meio sorriso.
Subiram.
Ele falava o tempo todo sobre as vantagens da localização do apartamento, do tipo de construção, suas características, o tipo de morador dali, as conveniências do entorno.
Até parecia bem simpático, alegre, olho brilhante. Isto chamou sua atenção. Gostou daquele brilho no olhar. Prendia a atenção das pessoas. Era como um ímã. Não conseguimos nos desgrudar. É típico de quem tem luz interior e de quem faz o que gosta.
O brilho se expande pelo rosto e nos atinge. Atrai.
A mãos, que não paravam de gesticular mostrando a grande janela com uma linda vista para um pequeno parque, eram bem cuidadas, de unhas bem limpas e, apesar dele ter uns quilinhos a mais, eram longa e bonitas. Deviam ser macias também.
Quando percebeu, ao invés de olhar cada cômodo, olhava para cada parte do rapaz que lhe chamava a atenção: os olhos e as mãos.
Ela a tratava com gentileza e atenção, bem diferente da outra vez. Estava gostando. Tanto que ao saírem do apartamento , quando ele perguntou se poderiam se encontrar novamente para conversarem melhor ela logo assentiu. Desta vez com simpatia, um aperto de mão, que ele retribuiu com um longo sorriso, um olhar mais brilhante ainda e um longo e suave beijo no rosto.
Ela gostou.
Fechou os olhos. Será que estava apaixonada ?