domingo, junho 17, 2012

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NAÇÃO CRIOULA E A TEORIA DE BAKHTIN


RESENHA

por Isabel C.S. Vargas



Nação Crioula de autoria de José Eduardo Agualusa, autor nascido em Angola com

amplo conhecimento daquela realidade e profundo interesse pela realidade brasileira,

mostra o romance que ocorreu no século XIX entre Fradique Mendes, um aventureiro

português e Ana Olímpia Vaz de Caminha, uma figura capaz de enriquecer qualquer

narrativa pela vida cheia de situações diferentes e antagônicas, pois embora nascida

escrava foi uma das mulheres mais ricas e poderosas daquela região africana de cultura

portuguesa, ou seja, Angola.

É importante ressaltar que Fradique Mendes é um personagem de Eça de Queirós que

Agualuza tomou por empréstimo para personagem central de seu romance incluindo

na sua narrativa o próprio Eça de Queirós. Misturam-se personagens e pessoas reais.

A história se desenrola entre 1868 a 1900 e é contada através das cartas trocadas por

Fradique Mendes e sua madrinha, Madame Jouarre, entre ele e Ana Olímpia e com Eça

de Queirós.

Nas cartas relata seu trânsito entre personagens ricos, pobres, do clero, malfeitores,

passando por situações inusitadas desde sua chegada em Angola, sua, às vezes,

turbulenta permanência, o encontro casual com Ana Olímpia, por quem de imediato

nutre um sentimento especial e todo o suspense – poderia dizer drama – que envolve

sua amada até poder libertá-la para com ela viver.

Fradique não tem um trabalho, vive da mesada que sua madrinha lhe envia, mesmo

assim tem uma vida de regalias em Angola. As cartas narram os episódios ocorridos em

Angola de 1868 a 1876. Posteriormente, viaja para Pernambuco naquele que talvez

fosse o último navio negreiro da época, o NAÇÃO CRIOULA, para fugir de seus

perseguidores e de Ana Olímpia, pois suas vidas corriam perigo.

A partir daí suas missivas são de Olinda para onde se transferem, a princípio, para casa

de amigos e, mais tarde, para uma propriedade que adquire na Bahia onde passa a viver

de forma abastada reproduzindo a vida de muitos senhores com quem tivera contato em suas andanças, com escravos e bens. Lá tem uma

filha, mas não permanece no Brasil. Posteriormente, vai para a França, onde morre.

Ana Olímpia e a filha Sophia fazem o caminho de volta para África.

O romance termina com uma carta de Ana Olímpia a Eça de Queirós onde ela relata a sua história.



A DIALÓGICA DE BAKHTIN E O DISCURSO ROMANESCO

As imagens romanescas fundamentais são representações dialogizadas interiormente - das

linguagens de outros, dos estilos, das concepções de mundo. (BAKHTIN, 1988, p.367) “Todo

romance, em maior ou menor escala, é um sistema dialógico de imagens” (BAKHTIN, p..371). No

seu processo de surgimento e desenvolvimento inicial a palavra romanesca refletiu a antiga luta de

tribos, povos, culturas e línguas, ela era uma ressonância completa dessa luta (BAKHTIN, p 371).

Bakhtin contrapõe-se aos seus contemporâneos que colocavam os personagens como aqueles de

uma fotografia, isto é, numa cena muda. É a linguagem o campo potencial de representação das

tensões sociais, inclusive as provocadas pelo desajuste entre produção social e apropriação privada

(MACHADO, p.284).

Bakhtin começou seus estudos sobre Dostoievski com seu romance polifônico que foi o núcleo dos

estudos de Bakhtin.

Para Bakhtin o “romance é um texto característico de um estágio na história da consciência não

porque indica a descoberta do EU, mas porque manifesta a descoberta do outro pelo próprio EU”

(M.HOLQUIST, 1990:75, apud MACHADO, p.286).

O romance é multiforme e inacabado e mostra em si vários discursos, gêneros e linguagens. Bakhtin

não acreditava que princípios canônicos rígidos pudessem dar conta de todos os aspectos

multiformes do romance e resultar numa poética consistente.

Para ele o caráter épico do romance situa-se no uso da voz, que Bakhtin estudou nos procedimentos

de transmissão do discurso de outrem, do discurso bivocalizado e do romance polifônico

(MACHADO, p.288).

Vamos citar três particularidades fundamentais que distinguem o romance de todos os gêneros restantes, segundo Bakhtin:

1. A tridimensão estilística ligada à consciência plurilíngüe que se realiza nele; 02
eisFluências Junho 2012



2. Transformação radical das coordenadas temporais das representações literárias do romance;



3. Nova área de estruturação da imagem literária no romance, justamente a área de contato máximo com o presente

(contemporaneidade) no seu aspecto inacabado (BAKHTIN, 1988, p.404).

Os aspectos acima citados estão ligados entre si e refletem a mudança da sociedade patriarcal e fechada em direção às novas condições de

relações internacionais e de ligações interlingüísticas, que podemos dizer ocorreu não só na Europa no século passado, mas continua

ocorrendo permanentemente, com o desvelamento, se assim se pode chamar de outras culturas, pelo processo midiático global cada vez

mais intenso.

Terminou o período da “coexistência surda e fechada das línguas nacionais”. (BAKHTIN, 1988, p.404)

O romance se formou e se desenvolveu nas condições de uma ativação aguçada do plurilingüismo exterior e interior. Esse é o seu elemento

natural. É por isto que o romance encabeçou o processo de desenvolvimento e renovação da literatura no plano lingüístico e estilístico

(BAKHTIN, 1988, p.405).

O romance, anteriormente identificado com gêneros inferiores não mais é assim considerado.

O romance está ligado aos elementos do presente inacabado que não o deixam enrijecer, permitindo sua permanência e adequação ao

tempo e espaço. Esta contemporaneidade, entretanto não exclui a narrativa do passado.

O romance mantém estreita relação com os gêneros extraliterários-a vida corrente e a ideologia. (BAKHTIN, p.422)

O romance, em sua evolução, passou a retratar tanto um sermão, quanto um tratado filosófico, quanto questões políticas ou, ainda,

questões íntimas, interiores, através de cartas, diários e bilhetes. Entra em relação com o acontecimento que está se desenvolvendo agora,

no qual o leitor também está ligado de maneira substancial.

Para concluir, vamos às conclusões de Bakhtin sobre o romance:

1. O romance tem caráter inacabado;

2. Se formou no processo de destruição da distância épica, no abaixamento do objeto da representação artística ao nível de uma realidade

atual, inacabada e fluída;

3. Com ele se originou o futuro de toda literatura;

4. É acanônico. É um gênero que eternamente se procura, se analisa e que reconsidera todas as suas formas adquiridas.



CONCLUSÕES

O romance Nação Crioula de José Eduardo Agualusa mostra em seu desenrolar vários discursos, gêneros e linguagens. Nele estão

presentes as vozes dos intelectuais (inclusive pela intertextualidade óbvia com o “empréstimo” do personagem), do homem comum, do

escravocrata, do negro escravo, da mulher – escrava ou liberta.

Mostra o discurso familiar, a voz do oficial, do militar, diferente do discurso do submisso.

Apresenta as três peculiaridades anteriormente citadas, nas quais salientamos o aspecto inacabado, a tridimensão estilística ligada à

consciência plurilíngüe que se realiza nele, além da transformação radical das coordenadas temporais.

Constata-se a mudança da sociedade fechada para uma sociedade internacional, na qual os personagens têm livre trânsito e,

conseqüentemente, mantendo relações interlingüísticas.

O romance em questão apresenta em si aquelas particularidades referentes à vida corrente e a ideologia. Utilizou o autor de recursos que

os romancistas começaram a utilizar já em épocas mais evoluídas do romance, que são as cartas.

O próprio nome nos indica a amplitude do seu conteúdo, pois nação não está afeita a limites territoriais, mas sim a sentimento coletivo;

crioula nos remete à mestiçagem.

Mestiço é um outro sujeito que se constitui a partir de dois sujeitos distintos, guardando em si elementos de cada um , mas que se constitui

em uma terceira voz distinta daquelas que o formou. A partir do título já temos subentendida a polifonia de Bakhtin. Encontramos a voz

de uma África negra, uma África que se diz portuguesa, de uma Nação portuguesa colonizadora da África , que se tem superior e de um

Brasil mestiço que por vezes parece ignorar sua parcela negra.

Temos no corpo do romance, histórias, questionamentos, críticas à história, críticas sociais, dramas pessoais que espelham a dialógica de

Bakhtin e a polifonia núcleo de seus estudos.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGUALUZA, José Eduardo, Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes. Rio de Janeiro: Gryphus, 2001.

BAKHTIN, Mickhail. Questões de Literatura e de Estética. 3.ed. SP: UNESP / HUCITEC, 1998. MACHADO, Irene A. O Romance e a voz.

A prosaica dialógica de Bakhtin, Imago / FAPESP.



Isabel C. S. Vargas

Pelotas/Rio Grande do Sul/BR

.

Biografia da Autora

Isabel C.S.Vargas, é professora, advogada, aposentada no serviço público, jornalista, Especialista em

Linguagem Verbal, Visual e suas Tecnologias, com cerca de trezentas publicações no Diário da Manhã-

Pelotas RS; Publicações na Revista Eletrônica Lápis e Luz, no Varal do Brasil (Suíça), do Clube dos

Autores;Publicação acadêmica na Biblioteca on-line de Comunicação Social em Portugal, na Universidade

Leste de Minas Gerais e no Jornal A Página- Portugal. Participa das Antologias on line da CBJE, além de

mais uma centena de publicações em livros.Participou de Antologias Brasileiras lançadas na Argentina,

na França, Portugal e Suíça bem como de Antologias editadas na Argentina em 2011 e 2012. Recebeu

diversas premiações, menções honrosas, destaques em crônica, contos e poesia. Prefaciou obras para a

Editora Celeiro de Escritores, além de revisão literária. Participante de e-books da Editora Beco dos Poetas

e Escritores, ganhadora do Prêmio Literário Alda do Nascimento Sena,pela publicação de livro a solo

PEDAÇOS DE MIM.

Seu site: .

www.isabelcsvargas.com

www.isabelcsvargas.com eisFluências Junho 2012
03

Poesia de Isabel C. S. Vargas











Rumo Certo

Isabel C S Vargas

Água pura e cristalina,

Em teu curso irreversível,

Lições de vida me passas.

Calma,

Persistência,

Tenacidade

Transparência,

Voltar atrás,

Não te é permitido.

Inexorável segues em frente.

Como tu,

Devo meu curso seguir.

E, nesse percurso sem retorno,

De rumo certo e previsível,

Minhas dores ir sossegando

Para meu espírito aliviar,

Crescer e se purificar

Para no derradeiro encontro

Muita paz ofertar.







Anoitecer

Isabel C S Vargas

Com sofreguidão, vai o sol

Lentamente se recolhendo,

Em suaves e gentis movimentos

Para não macular a beleza alva da lua.

Espalha, suavemente, seu brilho sobre a paisagem

Onde as nuances coloridas da água

Destacam a mansidão do momento,

De plena comunhão da natureza,

Com a harmoniosa convivência dos diferentes,

Que do alto de sua magnitude

Nos emprestam lições de humildade

De respeito, tolerância e amor

Indicando que o equilíbrio é o caminho certo

Para obtenção da paz e felicidade na vida.





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RESENHA

Por Isabel C.S. Vargas







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É importante ressaltar que Fradique Mendes é um personagem de Eça de Queirós que Agualuza tomou por empréstimo para personagem central de seu romance incluindo na sua narrativa o próprio Eça de Queirós. Misturam-se personagens e pessoas reais.

A história se desenrola entre 1868 a 1900 e é contada através das cartas trocadas por Fradique Mendes e sua madrinha, Madame Jouarre, entre ele e Ana Olímpia e com Eça de Queirós.

Nas cartas relata seu trânsito entre personagens ricos, pobres, do clero, malfeitores, passando por situações inusitadas desde sua chegada em Angola, sua, às vezes, turbulenta permanência, o encontro casual com Ana Olímpia, por quem de imediato nutre um sentimento especial e todo o suspense – poderia dizer drama – que envolve sua amada até poder libertá-la para com ela viver.

Fradique não tem um trabalho, vive da mesada que sua madrinha lhe envia, mesmo assim tem uma vida de regalias em Angola. As cartas narram os episódios ocorridos em Angola de 1868 a 1876. Posteriormente, viaja para Pernambuco naquele que talvez fosse o último navio negreiro da época, o NAÇÃO CRIOULA, para fugir de seus perseguidores e de Ana Olímpia, pois suas vidas corriam perigo.

A partir daí suas missivas são de Olinda para onde se transferem, a princípio, para casa de amigos e, mais tarde, para uma propriedade que adquire na Bahia onde passa a viver de forma abastada reproduzindo a vida de muitos senhores com quem tivera contato em suas andanças, com escravos e bens. Lá tem uma filha, mas não permanece no Brasil. Posteriormente, vai para a França, onde morre.

Ana Olímpia e a filha Sophia fazem o caminho de volta para África.

O romance termina com uma carta de Ana Olímpia a Eça de Queirós onde ela relata a sua história.



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Revista Eisfluências -Portugal- Divulgação



Estimados leitores,



É com imenso prazer que lhes trazemos a Revista eisFluências do mês de Junho na sua 17ª edição bimestral, desta vez com 28 páginas, onde poderão ler:



Sumário: (por ordem de paginação)



- Nação Crioula e a Teoria de Bakhtin - por Isabel Vargas.

- Prémio Camões 2012 - por Carmo Vasconcelos

- Entrevista com Wilson Araújo de Souza - por Clóvis Campêlo

- Sonhos (Diálogo Poético com Florbela Espanca) - por António Barroso (Tiago)

- O Desespero do Efêmero - memória e tempo em Lúcio Cardoso e Santo Agostinho - por Isabella Lígia Moraes

- Considerables Gestiones de la Mujer en 2012... (II Parte) - por María Cristina Garay Andrade

- Lançamento do Livro "Quando a Vez é do Mar", de Carlos Lúcio Gontijo (Foto e Vídeo) - por Revista eisFluências

- Patrocínio em Família - por Carlos Lúcio Gontijo

- Fiestas de Primavera en Andalucía - por María Sánchez Fernández

- Rivkah Cohen, em Prosa e Poesia - por Revista eisFluências

- Rubênio Marcelo, um expoente das letras brasileiras (finalização) - por Marco Bastos

- Entrevista com Cida Sepulveda - por Oleg Almeida

- Lembrando Eugénio de Andrade - por Carmo Vasconcelos

- Luto no Panorama Musical Português - por Carmo Vasconcelos

- A Morte não é nada - Santo Agostinho

- Notícias de Cabo Verde (diversas) - por Nuno Rebocho

- Morte Sob Verniz Fervente - por Humberto Rodrigues Neto

- Anjinha (Conto Infantil) - por Luiz Gilberto de Barros (Luiz Poeta)

- Tradição das Maias - Uma Prática Tradicional e Intercultural - por António Justo





Todas as Revistas já editadas, em Livro e PDF, podem ser consultadas a qualquer momento no site que criámos para o efeito: http://www.eisfluencias.ecosdapoesia.org/

e onde o respectivo Livro de Visitas aguarda os vossos prezados comentários. Eles são importantes para nós! Mais uma vez, solicitamos que, sempre que possível, usem o Livro de Visitas em vez dos habituais mail’s que nos endereçam, aos quais, devido à quantidade, nem sempre podemos responder em tempo.



Veja a Revista eisFluências agora também em Blog: http://eisfluencias.blogspot.com.br/ ou emhttp://eisfluencias.blogspot.pt/



Nunca será demais repetir que ficaremos sempre gratos se cada leitor fizer a divulgação que lhe for possível no seu site ou blogue, se o tiver, ou por qualquer outro meio ao seu alcance.



Esperando que tenham uma agradável leitura, e gratos por estarem connosco.



As nossas Saudações Literárias!



Em nome de toda a equipa que faz a eisFluências,





O Director

Victor Jerónimo

(Portugal/Brasil)



A Directora Cultural

Carmo Vasconcelos

(Portugal)



A Responsável pela Redacção

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(Brasil)

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(a revista eisFluências está registada no ISSN e

na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro-Brasil)

ISSN 2177-5761