domingo, julho 11, 2010

                           Tecer as minhas dores










Tenho um trabalho de tricô na agulha desde antes do trágico acidente que levou meu filho amado



Comprei a lã há bastante tempo, porque era de bom preço e bonita. Na realidade não é lã. É um fio único com um nó seguido de um agrupamento de fios que formam algo parecido com um casulo. As cores: verde e amarelo.



Fiz um bom pedaço e abandonei porque o material me pareceu muito ruim. No espaço do casulo os fios são muito finos e rompem facilmente .Assim como a vida das pessoas. Muito frágil.



Após abandoná-lo fiz vários outros trabalhos, para mim, para minhas filhas e para presentear.



Após a tragédia não fiz mais nenhum trabalho. Semana que passou resolvi fazer algo como um paliativo para manter a sanidade. Deparei-me com o trabalho inacabado. Não sei por que o encontrei fora da agulha. Recoloquei-o. Não consegui continuá-lo naquele momento. Como minha filha o achou bonito pensei, então, em terminá-lo posteriormente. Eis que ao pegá-lo, hoje, alguns pontos estavam perdidos no meio. Desfiei algumas carreiras para arrumar. Nesta altura não pude deixar de fazer a relação com a vida: um fio único - o nascimento, o nó – que nos prende às pessoas, pais, irmãos, familiares, amigos, tudo aquilo que nos preenche, no qual nos aconchegamos, ou seja, um casulo protetor - depois outro nó dando um fim a tudo isso e , novamente um único fio –a morte- que é um processo solitário, apesar de todos aqueles a quem estamos ligados. O nascimento e a morte são processos individuais.



Fiquei a imaginar em que ponto atrás que eu tenha tricotado vi meu filho chegar , em qual ele estaria ao meu lado, conversando, sorrindo em quantos outros eu estaria pensando nele ou recordando fatos de nossa vida em comum, até então cheia de coisas boas.



E agora? O que fazer? Seguir em frente tecendo recordações, sorrisos, tecendo minhas dores para não romper o elo com o passado e não enlouquecer de dor, não cair no vazio existencial? Devo me segurar em cada ponto como um náufrago se agarra a qualquer objeto para não se afundar de vez? Devo entremear sorrisos, lágrimas, dores e esperança ? Não sei. Ainda não encontrei as respostas. No momento só nos observamos. Eu e o trabalho.



Nele vejo o passado construído aos poucos, com nós firmes, outros mais frágeis, pois todo ser humano, tem certos momentos em que está indeciso, inseguro, ou fragilizado e o presente que é o que tenho de palpável, de real, porém cheio de dor , de dúvidas, e de revolta , inclusive, e o futuro , incerto, cheio de surpresas capaz de destruir sonhos,interromper realizações pessoais, afetivas e profissionais



Isto me paralisa, a perda do meu anjo querido, o sofrimento de toda a família e o medo do futuro que não sabemos como enfrentar com esta lacuna em nossa vida.



Por ora estamos vivendo um dia por vez como que espreitando a vida de maneira temerosa.



E os pontos continuam a espera de serem tecidos. Talvez esse sentido apareça na medida em que o tempo for passando.


Publicado no site:www.paralerepensar.com.br/isabelcsvargas
Data:2010.07.26
Publicado no Diário Popular-Pelotas-RS
Data:2010.07.27
Publicado no link Destaque do site http://www.paralerepensar.com.br/
Data:2010.07.27
http://www.paralerepensar.com.br/paralerepensar/texto.php?id_publicacao=12916

Publicado no livro: Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros
CBJE/BrLetras,Primeira Edição, Setembro de 2010-Rio de Janeiro
ISBN: 978-85-7810-770-3
http://www.camarabrasileira.com/sc10-032.htm