Respiro fundo Mergulho nas profundezas De meus pensamentos Navego nas ondas De minhas mais doces lembranças Volto à tona Abasteço-me de ar puro Que me induz À pura comunhão com a natureza Unindo-me a ti Hoje, partícula indissolúvel do universo.Isabel C S Vargas |
MULHERES
Desde os primórdios da humanidade a mulher já tem o estigma da inferioridade. Foi criada, segundo dizem as Escrituras, da costela de Adão, portanto, oriunda de parte menos importante, dispensável, considerada como menos categorizada.
Sem voz e vontade própria, serva submissa, mero instrumento de satisfação, descartável, bem fungível, material e líquido na medida em que os homens podiam ter tantas mulheres quanto desejassem ou fossem capazes de manter.
Constata - se que desde aquela época, nos casamentos, aquilo que concerne ao célebre “para sempre” é condição preponderantemente vinculada à vontade masculina. Isto advém do início da civilização, passando pelas sociedades tribais e pelos impérios orientais e ocidentais. Recordemos casos como de Henrique VIII que legislou em causa própria, e mesmo assim não resolvendo seus problemas, mandou a mulher para a masmorra e não satisfeito que lhe cortassem a cabeça.
Crueldades contra a mulher foram sofisticando-se, aprimorando-se em várias culturas como na China onde as mulheres tinham os pés enfaixados e deformados pela deturpada estética da Flor de Lótus o que lhes impedia de fugir por ocasião das invasões facilitando a sua captura e consequente violação.
Em outros locais como na África, por questões culturais e religiosas mutilam a genitália feminina por garantia de virgindade e por não lhe permitirem o prazer. Mais uma vez, mulher-instrumento, a serviço de seu amo e senhor ou para perpetuidade de dogmas. Ainda hoje cerca de 100 milhões de mulheres passam por esta prática em cerca de mais de 26 países da África e da Arábia.
Não esqueçamos aquelas que hoje devem se manter cobertas, invisíveis à mercê de quem oferece mais nos contratos matrimonias que são realizados quando meninas.
Apesar de 2000 anos passados desta Era denominada de Cristã e dos avanços sobre os quais poderemos discorrer, logo que conseguirmos defini-los, as mulheres correm o risco de serem trocadas por menos de meia de dúzia de camelos no norte da África, em países divulgados pela grande mídia por sua cultura e beleza, mas no qual os mais zelosos não se arriscam em largar sozinhas suas mulheres.
Exagero? Isto pode ser o que de mais agradável pode lhe acontecer, se compararmos àquelas que desaparecem aqui em terra tupiniquim, vítimas da “paixão”, cujo nome correto é barbárie, de seus companheiros, e seus ossos jogados aos cães, eliminando provas, gastos com funerais, lápide e flores. Loucura? Sim, ainda mais se considerarmos que os homens começaram a ser civilizados, ao enterrarem seus mortos. Triste ironia.
Nesta trajetória de tempo e espaço não podemos esquecer aquela tantas queimadas vivas, torturadas na época da inquisição –afinal quem sangra todo mês e não morre só pode ser mesmo uma bruxa- e aquelas que mais recentemente foram queimadas por reivindicarem direitos trabalhistas. Em pleno século 20.
Foi nesta época, século 20 que começaram os tão afamados avanços: direito de voto-exercício de cidadania, desde que os pais ou maridos não determinassem imperiosamente em quem deveriam votar. Democratização da escola pública visando garantir o acesso à educação, embora isso seja um direito fundamental universal e , por conseguinte não só para o gênero feminino. Assim mesmo ainda havia famílias que julgavam que as mulheres deveriam aprender as famosas prendas domésticas (lavar, passar, cozinhar, costurar, bordar) ao invés de aprenderam a ler e escrever.
A partir deste evento, acesso à educação, que as mulheres passaram a ter condições efetivas de ingresso no mercado de trabalho. Maravilha! Graças a isso temos, além das domésticas, babás- consideradas as primeiras profissões junto com as lavadeiras, pois não pressupunham escolaridade e hoje bem mais raras, mulheres nas mais diversas profissões. Encontramos até gari com curso superior.
Puderam as mulheres ascender às carreiras bem mais reconhecidas, aplaudidas e às quais a sociedade confere mais status: médicas, advogadas, dentistas, juízas, promotoras, desembargadoras, por antiguidade e merecimento. A estas se soma, na atualidade, inúmeras outras como pesquisadoras, na política, carreira militar, aviação comercial além de outras, outrora inconcebíveis ou inexistentes para o sexo feminino.
Não esqueçamos duas profissões antes autorizadas por consenso geral para as mulheres: Professora e enfermeira.
Muito bem, as mulheres conquistaram com denodo e competência a possibilidade de disputar com os homens o acesso ao mercado de trabalho, mas em compensação conquistaram a dupla jornada e a culpa de deixarem seus filhos aos cuidados de outras pessoas.
Os salários, em geral, são menores, sofrem constrangimentos ainda hoje, pois apesar do amparo legal, tem que provar que não estão grávidas para serem admitidas no emprego, sofrem assédio psicológico, sexual e moral. São obrigadas a submeterem –se à revista antes de deixarem o local de trabalho, para provarem que não estão levando nada do patrão, quando trabalham em alguns segmentos .
Como se toda a responsabilidade que carrega, com o peso histórico de ser a sofredora mártir mãe de Jesus, ou a discriminada Maria Madalena não bastassem, ainda tem de ser como Amélia que é por quase unanimidade a mulher de verdade, e por exigência de mercado tem de ser bela, perfumada e gostosa, pois como diz o poeta beleza é fundamental.Isabel C S Vargas
Anel de Pérola
Ela tinha 16 anos quando conheceu aquele rapaz. Conheceu-o de uma maneira não convencional. Não fazia parte de seu círculo de amizade- nem da rua onde morava nem da escola.
Como gostava de ler revistas, aquelas que denominavam foto- novela e estas, geralmente, apresentavam uma seção de correspondência ela resolveu escrever, enviando seus dados pessoais. Não mencionou o nome verdadeiro, mas um pseudônimo. Um nome que parecesse verdadeiro.
Seria uma brincadeira. Uma forma de passar o tempo, se divertir.
Foram muitas as cartas recebidas. Selecionou algumas e passou a responder.
No começo foi novidade, mas depois, passou a ocupar demais o tempo que ela tinha que dividir entre o colégio, os estudos, as aulas de inglês, o curso de decoração, as vivências em família.
Ficou se correspondendo com uma única pessoa.
Um dia, passados alguns meses, para surpresa sua e da família ele aparece para conhecê-la. Tinha parentes em sua cidade.
As visitas começaram a ser mais frequentes. Ele queria compromisso sério, namorar , casar. Ela só queria viver. Sequer havia pensado nisso. Aliás, tinha sim, mas a imagem que lhe vinha à mente de se imaginar casada e com filhos tão nova, chegava a ser aterrorizante.
Embora o pai fosse contra, o namoro continuou, as intenções dele sendo reiteradas a cada encontro, em cada insinuação mais intensa, nos beijos, nas carícias mais ousadas. E ela, pensando em como sair desta situação que parecia cada vez mais atrapalhada, nas ocasiões que ele vinha à sua cidade. Por carta era mais fácil mostrar suas razões, porque não tinha a réplica imediata.
Trouxe familiar para tornar o compromisso mais efetivo, embora a contragosto dela e como o dito cujo tinha um sobrenome influente, outros parentes dela não se fizeram de rogados e retribuíram a visita. E a teia se formando. Ele a cercava com sua presença, suas carícias cada vez mais insinuantes e os demais mostrando a vantagem de casar com alguém com nome e dinheiro.
Sabia que se dissesse não, poderia encontrar resistência. Já estava cansada da insistência dele em ter um relacionamento mais intenso. Apesar de não haver nada que desabonasse a criatura, a não ser o fato dele também ter mentido o nome, como ela o fizera tudo o credenciava. Já estava na faculdade, era carinhoso- até demais para quem não estava a fim de intimidades.
Nas últimas férias que ele veio trouxe um anel de pérola, com a intenção explícita, pela simbologia implícita de mostrar o quanto estava disposto a dar pela companhia, pelo compromisso ou o que mais desejasse, a ponto de afirmar todo orgulhoso que tinha tão boas intenções que quando casasse, ela nem precisaria trabalhar.
Faculdade para que? Ele lhe daria tudo que desejasse. Não havia necessidade. Mulher dele não trabalharia.
Ela aceitou apenas o anel, já que tudo que ele lhe oferecia velada ou claramente ela recusava.
Foi o último encontro que tiveram. Ele foi embora. Como começou, ela rompeu a relação.
Uma carta clara e definitiva.
Seus sonhos e sua liberdade não tinham preço.
Isabel C S Vargas
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