Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas / RS
Friagem
Ao acordar, estranhou que a garota já não estava na sua cama.
Imaginou que teria ido embora. Talvez tivesse roubado algo. Mas o que? Não tinha coisas de valor.
Talvez, passado o temor da escuridão e o frio da noite, tivesse se animado a procurar alguém conhecido, algum companheiro de desventura ou parceiro de aventuras urbanas. Talvez isso, talvez aquilo... Conjecturas. Não se animava a ir verificar o que se passava, isto é, sair do quarto e ver por onde andava a bichinha.( A sensação que ela lhe transmitia era esta. Um ser indefeso, sem consciência dos perigos que enfrentava).
Aflição boba. Não significava nada para ele. Tinha sido, apenas, um encontro sem importância na desventura . Um ato recíproco de solidariedade. Cada um aliviando a friagem exterior e interior do outro. E, como aliviara. Há muito não sabia o que era ter alguém por perto. Dividindo o mesmo leito, então, mais tempo ainda.Embora tivesse sido só um gesto para não deixá-la ao relento como um gato de rua.
Será que ela tinha ido embora? Porque sentia um aperto no peito?
Não tinha acontecido nada. Só diminuíram o frio que sentiam.
Nada possuíam para oferecer um ao outro. Ele muito mais velho, calejado. Ela muito novinha. Era como um animalzinho acuado. Errante, solitária, abandonada.
Ele só tinha aquele lugar para se aninhar. Precário, mas era tudo que possuía.
Decidiu parar com as suposições.
Encheu-se de coragem e levantou.
Viu sobre a cadeira o gorro de lã que ela usava para se proteger do frio. Velho e surrado como ele.
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