quinta-feira, novembro 10, 2011









Há anos frequento este local. É um bar simples, como simples são os habitantes no entorno. Bairro operário, de gente trabalhadora e ordeira. Em geral, os que aqui aparecem são pessoas conhecidas. Não sou dado a bares, bebida, algazarra. Gosto de uma bebidinha em casa, com familiares, geralmente no final de semana para relaxar.

Acontece, que a vida muda. A casa , antes cheia foi se tornando solitária. Os filhos crescem vão fazer a vida nos locais que encontram trabalho e guarida. Minha filha mais velha está em outro estado. O filho do meio está na capital , a menor sim, está mais próxima, mora na cidade, mas em outro bairro. Geralmente aparece de 15 em 15 dias, devido à escala de folga no hospital. Vem com marido, meus dois netos.

Eu fiquei só, após a morte de minha mulher. Não quis saber de casar de novo. Estou bem assim. Consigo dar conta das minha coisas. Simplifiquei tudo, dispensei ajudante e eu mesmo faço as coisas da casa. Muitas vezes faço as refeições no bar, outras faço alguma coisa que me apraz. O café, volta e meia tomo aqui mesmo.

É a oportunidade para uma prosa com algum conhecido. Vejo televisão- que é maior que a minha- olho a vida que se desenrola.Às vezes se enreda, até parece que dá nó cego que não dá para desatar . Aí não entendemos mais nada. É uma confusão só.

Pois é assim que vejo o que se descortina à minha volta nesse momento.

Já vi coisas engraçadas, tristes, compreensíveis dada a natureza do ser humano. Observei de minha cadeira muita cena de amor, apertos , brigas de ciúme , traições, crianças que cresceram e se perderam outras que se ganharam e se tornaram pessoas de bem. Vi crianças criadas só pela mãe, outras pelo pai e avós. Achei que já tinha visto de tudo. Pois não é que me enganei ? Não sou preconceituoso. Nunca fui.Mas tem coisas que não aceito, uma delas é a droga. Droga e desrespeito com os mais velhos. Acho que respeito e gratidão ainda colocam o mundo nos trilhos.

Droga, tira o homem de si mesmo, da família, da vida.

Por isso, não posso me calar diante da cena que presenciei na mesmo bar de sempre, enquanto esperava para tomar meu café de todo dia, vendo as cenas da vida real se desenrolarem paralelas às da novela- que já não espanta tanto como antigamente- pois às vezes me parece que é tudo uma coisa só, a vida e a novela.

Não consigo entender uma comemoração sem pai e mãe juntos- ou será que ali tinha um pai e mãe? Onde ficou a partilha do bolo com todos? Ou não havia dinheiro para isso ?

Mas havia para outras coisas ? Que foi comemorado ali na minha frente que eu não entendi? Ou não houve comemoração e sim iniciação? Que velas foram acesas? As que guiam para caminhos de luz, de alegria , de gozo ou as que indicam o caminho da morte, da dor, do sofrimento?

Drogas de forma escancarada?

Ou uma queima para fugir dela?

Confesso que estou perdido.

Não sei se choro pelo garoto, se pela minha impotência e da sociedade de fazer algo definitivo e contundente para acabar com as mazelas que detonam famílias como bomba

em uma tragédia por demais anunciada , presenciada e não evitada.

Alguém me explica, por favor?
 
Publicado no livro e na Antologia on line
 
Selecionado  como dos melhores contos do ano na CBJE
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