terça-feira, setembro 10, 2013

CONTOS DE PESCADOR E OUTROS MENTIROSOS




Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas / RS


Lembranças: dos verões, do laranjal
e do trapiche

Nossos verões eram divididos entre a praia em outro estado e o Laranjal. No mês de férias do trabalho, viajávamos para fugir da rotina, geralmente em Janeiro. O outro mês passávamos no Laranjal, praia da Lagoa dos Patos.

Meus filhos aproveitavam a liberdade que a casa propicia, ao contrário do confinamento e “segurança” do apartamento em outros meses do ano. Os vizinhos- alguns os mesmos até hoje- tinham crianças que regulavam de idade.

As meninas juntavam-se nas brincadeiras típicas da idade, como brincar de boneca, pular amarelinha, andar de bicicleta, jogo de vôlei, pular corda, andar de patins e patinete, tomar banho de piscina. Quando maiores reuniam a turma do colégio, ouviam música, faziam reuniões para jogar conversa fora à volta da piscina, num “dolce fare niente” jogados na rede, comendo pipocas, picolés ou inventando algo para comer. À noite o programa eram os passeios na orla, alguma festa eventual proporcionada no local.
O trapiche sempre foi ponto de visitação, no inverno e verão, ponto de frequência obrigatória dos pescadores. Homens, mulheres, famílias inteiras ali pescavam desfrutando de paz de espírito, tranquilidade, convivência harmoniosa com outros pescadores amadores. Pescar no trapiche era um bálsamo para a alma de muitos. Uma amiga conseguia suportar os dissabores de sua convivência familiar passando horas sentada a pescar. Era terapêutico.
Mais tarde o trapiche ganhou atenção especial. Além da portaria ganhou um banheiro, rústico é verdade, mas que atendia as necessidades dos frequentadores. Ficava ao fundo, à direita, na plataforma. Alguns anos depois foi destruído, creio que na mesma ocasião em que um vendaval derrubou outras partes da estrutura.

Foi em um dia da procissão de N. Senhora dos Navegantes que meu marido e meu filho foram para lá pescar. Meu filho devia ter uns 12 anos. Arrumou a maleta de pesca, caniço, lanche, refrigerantes e lá se foram. Foi naquela tarde, sob as bênçãos de Nossa Senhora que meu filho conseguiu um feito, que ao ser contado e recontado, muitos achavam tratar-se de mais uma história de pescador. Conseguiu fazer uma pescaria, que para a sua idade e para o local, ainda mais com o movimento dos barcos na procissão se constituiu em um grande feito. Pescou um peixe que aos seus olhos infantis era imenso, se comparado aos outros miúdos que fisgavam a linha. Era uma “cascuda” de quase 3 kg. Não é história não. Meu marido levou para pesar. Para quem imagina que o troféu virou um saboroso jantar naquela noite, enganou-se. O mesmo ficou por meses no freezer para servir de prova do feito realizado, ou do infortúnio do coitado do peixe.

Eu costumava dizer que era um presente de Nossa Senhora que passava ali naquela tarde festiva de devoção, de fé, de agradecimento e louvor.

A natureza retribui com bênçãos o cuidado e o respeito que por ela manifestamos.