Ato de sobrevivência
Para falar
sobre a importância do ato de escrever, tenho que esquecer o que já escrevi
sobre o tema para não me repetir. Passo uma borracha em meu interior. Não quero
me deixar influenciar pelo já dito.
Hoje não sou
mais a mesma de ontem- sou aquela e mais outras tantas - portanto, os motivos
que me impeliam outrora, necessariamente, não são os mesmos de hoje. Fecho os
olhos em uma profunda reflexão. Desde quando escrevo? Qual minha trajetória de
escrita? Primeiro escrevia para mim nos diários que mantinha sigilosamente na
adolescência.
Quando as
pessoas se enamoram tentam eternizar estes momentos colocando-os no papel.
Geralmente não passam disto. Amontoados de papel entupidos de sentimento que
são rasgados logo ali, num momento de raiva. Os meus permanecem na caixa até
hoje. Não sei se ao abri-la reconhecerei aquela que os escreveu.
Quando meus
filhos nasceram o encantamento era tal que escrevi em seus álbuns para que
guardassem os meus sentimentos até depois de minha partida. Desejo de
eternidade, motivo escondido de quem escreve. Medo da finitude. Idéia
internalizada de que existe ordem para tudo.
Em um momento,
encantada com a vida, na tranqüilidade da maturidade comecei a escrever
poesias, sem me atrever a mostrar para alguém.
Enveredei para
outro tipo de escrita menos emocional. Sobre questões da área em que atuava.
Naquela era preciso manter todo um conjunto de regras, que nos limitam a esta
postura. Controle!Preservação do meu eu. Era o profissional orientando a
comunidade.
No decorrer da
vida, sucessivos acontecimentos interferem em nossos desejos, na nossa conduta.
Mudamos. Para melhor ou pior é um juízo muito subjetivo.
O que antes
temerosos guardávamos passamos a jogar ao vento, e nesse ato de voar
encontramos algumas pessoas que se identificam conosco, outros que se
descobrem. No decorrer desse processo vamos nos livrando de certos pesos, por
uma necessidade quase incontrolável.
Afrouxamos as
cangas que nos mantém prisioneiros de nossos medos internos de rejeição. Feito
isso, depois é como brincar. Lúdico, prazeroso. É como se jogássemos aviões de
papel para o alto e eles retornassem pois mais pessoas começam a se envolver na
brincadeira. Já não brincamos a sós. A troca estimula. A necessidade se
instaura, e os motivos que nos impediam de soltar aviões, pipas ou penas ao
vento já não mais importam. Quanto mais nos revelamos, mais leves ficamos.
Dividimos dúvidas, temores, inquietações, pequenas e grandes, alegrias e
conquistas. Contraditório e paradoxal,
mas ao nos despojarmos de algo, mais espaços interiores criamos.
Então nosso
foco muda. Saímos de nós, passamos a ver o que nos rodeia com um olhar mais
sensível. Começamos a colocar o outro em nossos textos. Se é literatura, catarse,
poesia não saberia dizer especificando cada época. Talvez de tudo um pouco para
ser mais generosa comigo.
Reconheço que
era algo que fazia por puro prazer, além de ser leve o conteúdo
Era como
liberar energia positiva. Retorno emocional instantâneo.
.Até que um
dia a vida explodiu para mim. Os cacos se espalharam e através da escrita
tentei juntar o que sobrou. O formato mudou. Tudo mudou.
Se refletirmos
perceberemos que viver é estar em constante mutação.
Quando as
mudanças são sutis quase não as percebemos. Vivemos com a falsa ilusão de que
ainda somos os mesmos que éramos, sem perceber que já pereceu a criança , o
adolescente e algumas vezes o adulto que existiam, restando o espectro de
todos. Assim como acreditamos em muitas outras coisas, como que existe ordem
cronológica para nascer viver e morrer e quando essa ordem se inverte, morremos
também.Senão visível, de forma metafórica .
Mais uma vez é
através desse ato desesperado de escrever que tentamos expurgar a dor. É uma
necessidade imperiosa para sobreviver, ocupar a mente, externar sentimentos,
sonhar, reorganizar as emoções assim como a criança se identifica e reorganiza
as emoções nos contos de fadas, coloco para fora os monstros dos sonhos de
terror para ver se encontro nesses despojos, as fadas e os anjos que povoaram
meus sonhos e minha vida. Tento encontrar caminhos reais e imaginários.
Escrevo como
um último recurso de criar novos territórios onde possa deletar fantasmas,
desmistificar crenças, perpetuar a vida, o amor e manter viva em mim as
lembranças felizes de seres maravilhosos que deram sentido ao meu viver..
Em suma, é
através da escrita que me oportunizo um novo sentido..
Ato
declaratório de esperança. Embate direto com a morte.A real e a metafórica.
Publicado no Diário da Manhã-Pelotas-RS
Data:2012.04.25-Página04-Quarta-feira
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home